The Drive! Parte I

As Bruxas Existem!

Há histórias na NFL que são absolutamente improváveis!

E o mais impressionante dessas histórias é que atingem, quase sempre, sem dó, nem piedade, as mesmas infelizes equipas e jogadores.

No Ohio, existe uma cidade chamada Cleveland e um clube de football chamado Cleveland Browns. Os Browns são a expressão viva de um clube sofredor e com poucos, muito poucos motivos para sorrir.

A memória da sua fiel legião de adeptos, a começar pelos membros da histórica claque conhecida pelo nome “Dawg Pound”, tem de estar em muito bom estado de conservação para poder lembrar as últimas centelhas de glória da equipa, no já longínquo ano de 1964, quando, liderados pelo mítico RB Jim Brown, os Browns venceram o NFL Championship, na era pré Super Bowl, isto é, antes da fusão, em 1970, das duas ligas americanas da altura, a AFL e a NFL, naquela que é a NFL actual.

Ao longo de mais de quase meio século, tirando uns quantos “divisional titles”, que pouco afagam o ego de um adepto ferrenho e cheio de uma fome voraz de títulos, os Browns têm acumulado, época atrás de época, frustrações, derrotas… e insucessos.

Mas se quisermos escolher dois momentos particularmente amargos para os Browns, neste percurso imaculado de 50 anos sem… vitórias, então teremos de regressar aos dias 11 de Janeiro de 1987 e 17 de Janeiro de 1988. Nesses dois dias, a desgraçada história dos Browns ficou carregada com tons bem mais negros. E os protagonistas e as circunstâncias, por incrível que vos pareça, foram praticamente os mesmos… e as mesmas!

A 11 de Janeiro de 1987, disputava-se, em pleno Cleveland Municipal Stadium, o AFC Championship Game, entre os Denver Broncos, do genial QB John Elway e os Cleveland Browns, do não menos famoso QB Bernie Kosar.

O jogo foi muito disputado, com sucessivas mudanças de liderança no marcador.

A cerca de 6 minutos do fim e com as equipas empatadas a 13 pontos, Bernie Kosar faz um passe de 48 jardas para o WR Brian Breenan, que o consegue converter num touchdown , dando, assim, a liderança no marcador para os Browns, por 20-13.

A multidão que lotava o Cleveland Stadium exultou de alegria! A glória do Super Bowl estava a apenas 5 minutos de distância.

E quando, na jogada de reinício do jogo, o kick returner dos Broncos, Ken Bell, falhou a recepção da bola, deixando-a rolar descontroladamente e apenas a conseguindo apanhar na linha das 2 jardas, os adeptos dos Browns ficaram em absoluto êxtase! Os Broncos tinham uma missão impossível pela frente: marcar um touchdown no tempo de jogo que restava e com umas inultrapassáveis 98 jardas pela frente!

A vitória estava no papo! Nunca, como naquele momento, o Dawg Pound ladrou com tanta força e energia. A hora de glória dos Browns tinha finalmente chegado!

Diz a lenda que o ofensive guard dos Broncos, Keith Bishop, terá dito aos jogadores dos Browns, no início da primeira jogada: “We got 'em right where we want 'em!” (qualquer coisa como como :”Estão onde queríamos que eles estivessem!”).

Mas os Broncos tinham ainda uma outra arma do seu lado… chamada John Elway!

E isto foi o que o QB de Denver fez nos 5 minutos e 2 segundos seguintes ao infeliz lance de Bell.

15 jogadas! Em 15 jogadas, Elway deu um recital de liderança de um ataque, levando a sua equipa “end zone to end zone”, com direito a um sack para perda de 8 jardas, na jogada nove, o que significa que, na verdade, o QB dos Broncos teve de percorrer 106 jardas para empatar o jogo.

Os registos das 15 jogadas mostram 9 passes tentados (3 falhados), 1 sack e 6 corridas, incluindo, 2 do próprio Elway, num total de 20 jardas percorridas pelo QB dos Broncos.

Os 6 passes completados somaram 78 jardas, e incluiram 2 com mais de 20 jardas e 2 com mais de 10 jardas… Toda uma sinfonia de ataque, em apenas 5 minutos.

John Elway lidera os Denver Broncos para uma vitória histórica frente aos Cleveland Browns

A Drive de John Elway, naquela tarde de Janeiro de 1987, em Cleveland, passou a fazer parte de todos os compêndios e manuais de ofensive coaching das equipas de football dos USA.

E ao longo dessas 15 jogadas, a defesa dos Browns não conseguiu, por uma vez que fosse, forçar Elway a jogar um 4º down e mesmo 3ºs downs foram apenas 3…

Quando Elway chegou à linha de 5 jardas dos Browns, o silêncio há muito que havia tomado conta das bancadas do Cleveland Stadium e o Dawg Pound gania de desespero.

De repente, zás… passe de Elway, bola nas mãos de Mark Jackson! TOUCHDOWN Broncos!

John Elway celebra o touchdown

O PAT (pontapé aos postes depois do touchdown) foi uma mera formalidade. Jogo empatado a 20, deixando uns míseros 37 segundos no relógio para os Browns tentarem recuperar a vantagem.

Nada feito. O jogo foi para prolongamento.

Apesar de terem ganho a moeda ao ar e, como tal, terem o benefício de atacarem primeiro (convém lembrar que, naquela altura, os prolongamentos funcionavam com a regra da “morte súbita”, ou seja, ganhava quem marcasse pontos primeiro, mesmo que fosse num field goal), os Browns foram forçados a um punt pela defesa dos Broncos.

Com 5 minutos e 38 segundos jogados no prolongamento, e depois de mais uma aula de ataque dada por Elway, com uma drive de 60 jardas, a bola ficou a uma distância suficiente para a fácil conversão de um field goal pelo kicker Rich Karlis. Os Broncos ganharam por 23-20, sagrando-se campeões da AFC e seguiram para o Super Bowl XXI, onde seriam batidos pelos New York Giants, do QB Phil Simms, por 39-20.

A prestação de John Elway nesse dia ficou para sempre registada como uma mais fantásticas e geniais performances de um QB num jogo de football, fazendo com que o jogo fosse considerado, para sempre, como um dos melhores jogos da história da NFL.

Quanto aos Browns, bom, ainda não foi naquele dia que acabaram com a má sina.

Anos mais tarde, em 2010, Hollywood encarregou-se de reescrever a história, dando-lhe um final feliz… do ponto de vista dos adeptos dos Browns. No filme Hot Tub Time Machine, a “Drive” termina com Jackson a falhar a recepção do passe final de John Elway, por se ter distraído com a presença no campo de um… esquilo! Pois…