Entrevista ao Presidente da Associação Portuguesa de Futebol Americano

André Novais de Paula 7 de Outubro de 2016 Portugal Comments
APFA - Team Portugal

Entrevista ao Presidente da Associação Portuguesa de Futebol Americano

Duarte Hipólito Carreira, Presidente da Associação Portuguesa de Futebol Americano

Duarte Hipólito Carreira, Presidente da Associação Portuguesa de Futebol Americano

O Futebol Americano entrevistou Duarte Hipólito Carreira, o novo Presidente da Associação Portuguesa de Futebol Americano (APFA). Colocámos algumas perguntas importantes para percebermos quais as orientações da APFA em relação a temas tão importantes como o futuro do Futebol Americano em Portugal, a Liga Portuguesa de Futebol Americano e a Team Portugal. Leiam a entrevista para ficarem a saber tanto quanto nós:

Quais os principais objectivos da nova Direcção da Associação?

Esta nova Associação tem diferentes objectivos para as duas componentes onde temos maior actuação – a desportiva e a gestão -, sempre com a promoção do Futebol Americano em território nacional no topo das prioridades. Desportivamente estamos apostados em criar condições de equilíbrio junto dos clubes para que consigam disputar uma Liga forte, equilibrada e nivelada por cima. Depois, a médio-prazo, pela criação de camadas jovens nos clubes nacionais, uma vez que urge a necessidade do hábito de ter miúdos a praticar este excelente desporto. Com isto pretendemos dar o salto natural para mais competições (Taça de Portugal, Liga Feminina e outras) mas para isso é preciso não esquecer que ter pessoas a treinar é fundamental para que o Futebol Americano se desenvolva.

Ao nível da gestão preocupámo-nos em tomar rapidamente algumas decisões no sentido de dar estabilidade aos clubes, nomeadamente através da disponibilização atempada do modelo competitivo e do calendário da Liga Portuguesa (que está disponível desde Julho), sendo esta a primeira vez que as equipas podem marcar a tempo e horas os jogos em casa e o transporte para jogos fora. Estamos também a trabalhar em parceria com o Conselho de Arbitragem para dar ao Futebol Americano a qualidade de arbitragem adequada para a próxima edição da Liga pois temos noção que é um sector que precisa de crescer e de se desenvolver.

Depois estamos ainda a dar passos fortes mas pouco visíveis ao público para que a Associação Portuguesa de Futebol Americano e a sua competição se tornem reconhecidos pela entidade que gere o desporto em Portugal, o IPDJ, que é sem sombra de dúvida um dos grandes problemas que herdámos. Paralelamente, estes últimos meses serviram ainda para arrumar a casa pois a situação que nos foi passada em Junho do ano passado é bem mais complicada do que as pessoas possam imaginar e que nem vale a pena detalhar… Seja como for, a pouco e pouco fomos dando a volta por cima dessa herança difícil, muito “por culpa” do espírito de sacrifício que as pessoas têm tido para que este desporto siga em frente e não pare no tempo.

Quais os maiores desafios do Futebol Americano em Portugal?

Na minha óptica, a inépcia e a mediocridade são os maiores desafios ao Futebol Americano. A inépcia porque muitas vezes podemos correr o risco de achar que “assim está tudo bem” e que não é preciso alterar muita coisa. Não! Todos devemos querer e lutar por mais e melhor. Daí também a questão da mediocridade… Dou-lhe um exemplo: no ano passado houve duas equipas – os Lisboa Devils e os Algarve Sharks – que reforçaram o seu plantel com jogadores norte-americanos. Tinham objectivos maiores e queriam alcança-los. Enquanto uns viam o óbvio – que enquanto não há camadas jovens que sustentem o crescimento da modalidade vamos ter de importar conhecimento, através de atletas e treinadores – outros gozavam e diziam mal, numa atitude que chegou a roçar o xenofobismo. Resultado: essas equipas chegaram à Final.

Hoje, a menos de um mês de começar a próxima Liga Portuguesa de Futebol Americano, pelo menos mais três clubes apresentaram reforços estrangeiros. Ou seja, há uma tendência natural para que isto aconteça. Acontece no futebol, no futsal, no basquete, no rugby, no atletismo, até no corfebol. E quem nisso vir o contrário só demonstra cegueira, mediocridade ou inveja, porque lá no fundo gostava de ter o mesmo mas não consegue.

E qual é o impacto dos jogadores estrangeiros no jogo e quais os benefícios e perigos?

Bom, o impacto, como disse acima, é enorme, com benefícios imediatos para os clubes, que se traduzem em maior probabilidade de vitórias mas também na capacidade de adicionar aos planteis jogadores com experiência que nenhum português a actuar na LPFA tem.

Quanto aos perigos, diria que passam por um eventual deslumbramento de que tudo vai mudar sempre para melhor. Mudará sem dúvida, mas é preciso não esquecer que os jogadores locais são a fonte do Futebol Americano português. Agora, ter dois ou três jogadores estrangeiros em planteis de 40, 50 ou 60 jogadores não pode nunca ser encarado como o factor diferencial absoluto pois se os restantes colegas de equipa não forem trabalhadores e válidos dentro de campo não valerá de nada a qualidade dos jogadores estrangeiros.

Quais os planos da Associação para começar a formar camadas jovens?

Formar camadas jovens é o sonho de qualquer dirigente de uma modalidade. Significa ver o futuro a ser construído desde cedo, garantindo uma base de sustentação grande a qualquer desporto. Da nossa parte tencionamos que todos os clubes passem a ter pelo menos uma equipa sub-18 a partir da próxima época. Os clubes têm de se mentalizar que ter camadas jovens exigirá um empenho tão grande quanto o que precisam ter para gerir uma equipa sénior. Porque, como diz o ditado, se começam mal, tarde ou nunca se endireitam.

Queremos ainda trabalhar na criação de um programa a apresentar às Associações de Pais mas também aos agrupamentos de escolas nos sentido de introduzir o flag-football e o tackle-football nas escolas.

O que falta ao Futebol Americano em Portugal para se tornar mais popular?

Acho que precisamos saber vender melhor o produto Futebol Americano. Na realidade, tudo o que é tradição norte-americana acaba por, de uma forma ou outra, se implementar no mundo Ocidental (veja-se o caso do Dia dos Namorados ou do Halloween…). Tendencialmente já estamos predispostos a “beber” tudo o que seja made in USA e temos de aproveitar isso!

Os clubes devem saber valer-se dessa predisposição e trabalhar mais para o exterior, promovendo aquilo que de bom têm e fazem. Claro que ajuda ter, por exemplo, a Sport.TV a transmitir três jogos por semana mas só por si isso não chega!

O Futebol Americano em Portugal já atingiu a maioridade?

Penso que o Futebol Americano em Portugal acabou há pouco a fase da adolescência e tornou-se maior de idade. Ou seja, já passou o período das dores de crescimento, dos momentos em que nos divertimos bastante com os grupos de amigos, de quando tomámos algumas decisões acertadas mas também com outras precipitadas que, por sorte, não trouxeram grandes prejuízos. Por isso acho que estamos agora a entrar na fase em que mais uma ou outra decisão infeliz pode colocar algumas coisas em causa mas, por outro lado, as boas também trazem um impacto grande e notório. Sinto que chegou a altura de nos emanciparmos e de perceber que está na hora de cortar o cordão umbilical e sair de casa, para que nos tornemos um desporto independente, forte e em crescimento.

Para quando a Federação de Futebol Americano?

Sem excepção, todas as direcções que nos antecederam traçaram objectivos quase irrealistas e nenhuma conseguiu sequer a meta de registar a APFA no Registo Nacional de Clubes e Federações Desportivas, passo indispensável para nos tornarmos um dia uma Federação. Estamos a ter uma abertura séria e honesta pois sabemos que começámos (quase) do zero quando tomámos posse. Não escondemos que o queremos fazer mas é prematuro dizer quando.

Qual será o formato deste ano da Liga portuguesa de Futebol Americano?

Este ano vamos ter um formato inédito, com a competição a ser em regime de todos contra todos a uma volta, com as seis primeiras classificadas a passar aos playoffs e quatro a disputar o wildcard, enquanto as duas primeiras aguardam pelos seus adversários nas meias-finais. Depois joga-se a Final a 8 de Abril em Évora.

É nossa vontade que em 2017/2018 passem a existir duas divisões no Futebol Americano: uma, a Primeira Divisão, composta pelas equipas que se classificaram até ao 6º lugar na época 2016/2017, e a Segunda Divisão, com as que se quedaram no 7º, 8º. 9º e 10º lugares bem como com outras duas equipas que já demonstraram interesse em competir a partir de 2017.

Como é possível manter a competitividade quando há equipas que estão a começar agora e outras que já levam 7 temporadas?

Esta noção das Divisões vai ao encontro dessa realidade. O que a história das últimas 7 Ligas Portuguesas de Futebol Americano (LPFA) nos diz é que há equipas que precisam competir e ganhar conhecimento de jogo mas que não é boa ideia coloca-las frente a outras muito mais rodadas e que dispõem de outro tipo de experiência que alguém do zero manifestamente não tem. Esse é um tema. Por outro lado, e agora estou a entrar no campo especulativo, acredito que se tivéssemos uma Segunda Liga de 7×7 ou 9×9 daria também maior sustentabilidade a alguns projetos que ainda não se conseguiram impor, muito pela necessidade que o Futebol Americano tem em haver plantéis mais extensos para fazer face às exigências da temporada.

Este era o momento certo para criar a Selecção Portuguesa de Futebol Americano?

Sem dúvida. Pode-se discutir os moldes, a composição da equipa técnica ou até a forma como se pretende escolher os jogadores mas há uma coisa que ninguém pode discutir: o timing da criação da Team Portugal. Há muitos anos que o jogador português merecia isto, tal é a sua qualidade. E aproveito para deixar aqui um elogio muito grande a uma pessoa – o vice-presidente Pedro Viana – que tem feito um trabalho incansável desde que este projecto nasceu. É com pessoas assim que o trabalho surge e que ficamos com garantias de que este momento não será apenas um fogacho ou um capricho.

Quais foram os cuidados que tiveram ao montar este projecto da Selecção?

Tivemos o cuidado de ser o mais criteriosos possível dentro das limitações existentes, uma vez que começar este projecto do zero acarreta também alguns riscos. Mas diria que o ser justos e, ao mesmo tempo, lógicos era uma obrigação.

Como foi o processo de selecção da equipa técnica e dos jogadores?

Seleccionar a equipa técnica foi fácil e à medida que íamos abordando o tema internamente tinha cada vez mais certezas que o coach Sebastian Serrano era a pessoa indicada para a tarefa. E não nos enganámos pois estamos em perfeita sintonia quanto ao projecto e às pessoas que o integram, bem como relativamente ao que vemos para o futuro. Depois, o coach liderou todo o processo de convites aos restantes membros e, se não estou em erro, somente uma pessoa declinou pertencer aos quadros da equipa técnica, o que demonstra bem a união que a Team Portugal fez ao Futebol Americano nacional.

O processo dos jogadores foi menos simples mas visou ser o mais objectivo possível: numa primeira fase a equipa técnica escolheu 45 jogadores e informou os respectivos clubes. Os outros 55 foram escolhidos pelos treinadores de cada uma das equipas da LPFA, com um rácio adstrito a cada uma.

Quais os objectivos a curto, médio e longo prazo para a Selecção?

A curto-prazo procuramos 55 jogadores que nos possibilitem competir amigavelmente a médio-prazo e que a longo-prazo permitam disputar a qualificação de acesso ao Campeonato da Europa.

Quando será conhecido o equipamento?

Iremos ter o equipamento no primeiro jogo, a realizar no primeiro semestre de 2017, em Portugal, contra uma experiente selecção.

Uma última pergunta: Como consegues conciliar ser presidente da Associação Portuguesa de Futebol Americano e, ao mesmo tempo, dos Lisboa Devils?

Bom, primeiro que tudo, esta é uma situação transitória que já não se colocará a partir de Junho do próximo ano, altura em que concluirei o meu mandato nos Lisboa Devils. Convém dizer que quando fui eleito toda a gente sabia que iria manter o meu cargo nos Devils, pelo que não o escondi de quem quer que seja. Por outro lado, e porque qualquer um dos cargos já é por si exigente, o meu papel nos Lisboa Devils reduziu-se consideravelmente uma vez que o Sérgio Moreno tem tomado (e muito bem) as rédeas do clube. É uma pessoa de extrema confiança, com capacidade de liderança e de decisão, o que me deixa bastante satisfeito ao ver que o clube pouco ou nada sentiu esta mudança.

Mas aquilo que gostava de sublinhar é o facto de a maioria dos Clubes ter votado em alguém que, mesmo ligado a um clube, lidera um projecto sério, claro e transparente, que não se move por interesses ou segundas intenções. Isso deixa-nos muito satisfeitos e com vontade de continuar a trabalhar como até aqui temos feito.

About The Author

André Novais de Paula

Sempre gostei de desporto e sempre senti uma grande curiosidade em relação a desportos Americanos, mas infelizmente o contacto com essa realidade era escasso e intermitente. Cheguei mesmo a jogar InLine Hockey (semelhante ao Ice Hockey, mas com patins em linha) durante vários anos nos Sharks de Oeiras, mas mesmo seguir a NHL era complicado. Tudo mudou quando a televisão por cabo começou a transmitir canais com estes desportos. O Futebol Americano foi Amor à primeira vista. Para que eu ficasse completamente viciado bastou ver o primeiro jogo. Depois disso já não havia volta atrás. O passo seguinte foi começar a descobrir cada vez mais sobre este incrível desporto. Rapidamente constatei que não havia muita informação em Português e juntamente com o Paulo Silva Curto abri uma página no Facebook para juntar outros fãs de Futebol Americano. Não sonhávamos na altura que este pequeno projecto iria crescer desta forma e que um dia iríamos ter um Blog dedicado somente a este desporto que nos tem dado tantas alegrias e horas bem passadas. Aproveito para confessar que sou fã dos Green Bay Packers. Go Packers!