NFL Draft 2016: A Pick Mais Idiota
Senhoras. Senhores. Por favor, levantem-se dos vossos lugares. É a altura duma standing ovation. Não. Não vamos aplaudir a escolha nº 1 do draft. Nem dar as boas vindas ao nº 2. Deixemos essa regra de etiqueta para os fãs das franquias que os elegeram. Imaginem que estão num anfiteatro, ouvindo deliciados um imaginativo comediante, que vai aflorando, com a necessária dose de criatividade e ironia, usada com contenção, mas suficientemente mordaz, o quotidiano do Mundo. A resenha do espectáculo passa pelas obrigatórias piadas sobre política, entra no sempre controverso território da religião, avança pelo social e termina nos eventos desportivos. E aí, o comediante dispara: “Robert Aguayo é um kicker. Foi escolhido no 2º round. E a franquia que o elegeu fez um trade up. Um trade up, senhoras e senhores. Trocaram uma escolha de terceiro e quarto round para escolherem…um kicker. UM KICKER”. Esta parte final seria já dita de forma histriónica e convulsa, com as palavras a atropelarem-se umas às outras, ansiosas para se derramarem no ar e flutuarem até ao seu destino. E, depois duma pausa dramática, o comediante lança a questão?
“Quem é que foi a franquia?”. O silêncio que se segue será acompanhado por uma melodia instrumental, algo a roçar o épico, como uma partitura de Ennio Morricone, terminando num crescendo angustiante, com as notas sonoras a ficarem mais e mais estridentes, até à resposta esperada.
“Os Browns”, respondem 70% dos espectadores, associando o movimento trágico-cómico à equipa de Cleveland que carrega o pesado fardo de anedota secular da NFL. “Os Jaguars”, gritam meia dúzia de experts, achando que a franquia que tem um dono paquistanês, com o nome de Shahid Khan, entra de imediato na categoria de sofredores de bullying verbal. Nenhum deles acertaria. Daí o meu pedido inicial. Levantem-se e aplaudam, por favor, os Tampa Bay Bucanneers, por terem conseguido tornar-se, mesmo que momentaneamente, na anedota da competição. A escolha, pelo round importante em que foi efectuada, seria sempre criticável. Mais ainda porque levou ao desperdício, na troca, de outras escolhas igualmente cruciais para quem apenas venceu 23 jogos…em 5 anos. O roster dos Bucs é carente em várias posições. Mas eles, inteligentes como mais ninguém, resolveram escolher um kicker. No 2º round. Escrevo isto várias vezes porque, mesmo assim, parece algo surreal, latente, um sonho doce que lentamente se vai tornando num pesadelo. Já pensei, várias vezes, “ninguém pode ser assim tão estúpido, quase ao ponto de inimputável, sem sofrer consequências”. Não está em causa o valor de Aguayo, um miúdo que foi competente nos Seminoles e cuja história de vida preenche a quota necessária para os lacrimejantes de plantão. Tem tudo para se tornar num filme melodramático.
Desde o pai, que viveu num lugarejo perdido nas profundezas do México, sem água potável e sem luz eléctrica, apenas um entre um rebanho de crianças, passando pela fuga deste para a terra prometida, os Estados Unidos onde a visão de um Donald Trump xenófobo era ainda uma miragem, até à sua deportação, os ingredientes estão lá todos para gostarmos de imediato de Aguayo. Nada contra. É disto que a América é feita. De oportunidades, de valorização, de crescimento sustentado duma comunidade como o preconizado nos livros de história, onde cada homem é julgado apenas pela sua competência, e não pelo credo religioso, político ou outro. Mas Aguayo, tido como o melhor kicker do college, é apenas isso. Um kicker. E não procuro menosprezar a posição. A especialidade de chutar tem, cada vez mais, um peso significativo no resultado final dos jogos. Ter um kicker fiável numa equipa que, não tendo um ataque explosivo, dependerá muito das parcas oportunidades para garantir um triunfo, é um óptimo meio para atingir o fim. E Aguayo é excelente, como demonstram os seus números no college, até às 40 jardas. Aliás, é perfeito. Acima disso, no entanto, é que a sua precisão entra num território questionável. 20 field goals concretizados em 29 tentativas? Nah. Isto já não é território de excelência. Num mercado saturado de especialistas desempregados, os Bucs teriam muito por onde escolher, evitando um gasto duma pick tão elevada. Aliás, uma não. Custa a entender, mas foram 3. Aguayo custou uma pick de 2º round. Uma de 3º. E uma de quarto. Como diria Scolari, “e o burro sou eu?”.