Preseason Week 3: Heróis e Vilões
Mais uma semana passada. A terceira da preseason. Faltam 10 dias. Este era o fim-de-semana que mais era comparável à regular season, com o grosso dos titulares a serem colocados à prova, durante uma parte apreciável dos encontros. As lesões, essas, continuam a clamar as suas vítimas, penalizando jogadores, esperanças e mostrando, de forma crua, a dureza deste desporto que amamos.
Heróis
Drew Brees
O quarterback dos Saints não será um jogador único, mas criou, desde a chegada de Sean Peyton a New Orleans, coincidente com a sua, uma ligação quase umbilical à cidade que o acolheu. A urbe, pela via do trauma sofrido, cujas recordações foram agora mais intensificadas, por conta do 10º aniversário, sofreu alterações enormes, mas também serviu de exemplo à resiliência do espírito humano e à capacidade de superação e regeneração de uma imensa comunidade. O futebol, como elemento aglutinador, contribuiu para a elevação da moral, como porto de abrigo a um grupo de almas desamparadas. Reunificador, curador de feridas em aberto, o futebol americano serviu como exemplo da fénix renascida, tornando-se o símbolo da cidade. E a equipa, mesmo nos períodos mais negros, foi acarinhada, como se um bocado dela fizesse, para sempre, parte do adn de cada residente. Por isso, a singela imagem de Drew Brees, um dos mais icónicos jogadores da franquia e um dos mais mediáticos rostos da NFL, a sair de um treino, de calções e shoulder pads, capacete debaixo do braço, a dialogar com os fãs, tornou o jogador mais humano e a liga mais “caseira”. Uma espécie de Friday Night Lights, sem o glamour e os milhões geralmente ostentados pela liga profissional. Grande imagem e enorme interacção duma super-estrela com os seus fãs. Fossem todos assim…
Zach Zenner
É a minha história predilecta da preseason. O meu herói de eleição. Gosto particularmente desta fase do ano, quando começam os treinos e, sabe-se, emergirá algum nome desconhecido, tomando as headlines de assalto. Numa luta sem tréguas por algum reconhecimento mediático, Zenner tem conseguido aproveitar cirurgicamente as oportunidades que lhe surgiram, desde que os Lions apostaram nele, como undrafted rookie. Parecia, de início, apenas mais um training camp body, como são apelidados os jogadores anónimos, usados e triturados pela máquina de alta competição que é a NFL. Apesar do currículo evidenciar algo mais, as estatísticas têm uma importância relativa, quando se joga em South Dakota State. Aí, no college, Zenner era uma divindade, com 3 temporadas consecutivas acima das 2000 jardas obtidas. Mas Zenner provou que, além de ser um bom jogador de futebol, é igualmente resiliente. E aguentou. No primeiro jogo dos Lions sobressaiu. Um pequeno passo, insuficiente para atrair atenções excessivas. No 2º jogo, beneficiando da generosidade dos snaps que lhe deram, Zenner elevou a fasquia, mais um bocado, mostrando que não é um mero running back unidimensional. Se no solo conseguiu jardas, mostrou também que fora do backfield pode ser um perigo, com 5 recepções, 59 jardas e 1 TD. Cimentando o seu status, Zenner permaneceu ironicamente na corda bamba. É que a sua unidade tem profundidade. Demasiada, para as suas pretensões. Joique Bell aparece à cabeça, como o presumível titular, apesar de estar lesionado. Ameer Abdullah é a promissora escolha de 2º round, um jogador com pedigree e a aposta declarada de futuro da franquia. Theo Riddick tem a experiência e a versatilidade, que marcam pontos, quando a avaliação é feita. E depois ainda há George Wynn, um membro respeitado do special team e, com essa polivalência, a marcar a diferença. Mas Zenner sabe que, tudo o que fizer de positivo, mesmo que seja cortado pelos Lions, lhe permitirá granjear alguma reputação. E ser repescado para outro roster, menos consistente no ground game. Por isso, contra os Jaguars, voltou a não dar mostras de abalo emocional, mandando a pressão às malvas. Foram 8 corridas, 85 jardas e mais um score. Até pode ser cortado pelos Lions, depois disto, mas se isso acontecer a franquia de Detroit merece ser amaldiçoada, nos próximos anos.
NaVorro Bowman
Não é o Man of Steel, porque esteve lesionado. 19 meses, mais precisamente. Mas é um jogador fenomenal, instrumental nesta nova era que se abre nos 49ers. Numa das offseasons mais estranhas de sempre, a franquia de S.Francisco disse adeus ao seu head coach emblemático e criou um novo staff técnico, viu reformar-se Patrick Willis e Justin Smith, dois dos guerreiros defensivos, assistiu incrédula à prematura saída de Chris Borland e cortou laços com o problemático Aldon Smith. Ufa. No meio disto, com dúvidas quanto à legitimidade de Colin Kaepernick como quarterback fiável, Bowman reapareceu. E esse mero regresso encerra, em si mesmo, enorme determinação e um daqueles inquebráveis espíritos que podem galvanizar todo um roster. 19 meses, recordem-se. O último jogo de Bowman, um dos melhores linebackers da história recente da NFL, foi na final de conferência de 2013, contra os Seahawks. As imagens, cruas, mostraram a brutalidade devastadora da injúria. Mas Bowman não vacilou. Podia-o ter feito. Fama e glória alcançada, dinheiro de sobra na conta bancária, família solidamente estruturada em seu redor. Não era mais confortável seguir com uma vida sem futebol? Não para ele. Imaginem só o que é preciso, a nível mental, para encarar o regresso após lesão grave. O campo. O caos que se forma, após o apito do árbitro. Os tackles. Os hits. Duros. Massacrantes. E o corpo, em recuperação, aguentando uma pancada. Mais uma. Depois outra. NaVorro é um daqueles jogadores por quem é fácil torcer. Na semana passada foi usado de forma cirúrgica, paciente. Mas, nos poucos snaps recebidos, foi como se uma sensação de déjà-vu se abatesse sobre quem viu o jogo. Três tackles consecutivos, fazendo aquilo que ele melhor faz: parar a corrida. Contra os Broncos, o plano era conservador. Colocá-lo em campo em jogadas mais competitivas, mas de forma limitada. Bowman riu-se dos planos. E ficou em campo. 40 snaps. Omnipresente no meio-campo defensivo, foi como se o tempo não tivesse passado. 19 meses? Quem o viu a fazer tackles (9, máximo do jogo), a comandar a unidade, a ser disruptivo, a obter sacks (foram dois), não diria que passou tanto tempo. É pena, mas resta-nos fruir do que nos resta. Pela amostra, resta ainda muito a Bowman, para nos deliciar, semana após semana. He’s back!
Scott Chandler
O novo tight end dos Patriots aparece aqui apenas como o expoente máximo da eficiência. A primeira parte do embate contra os Panthers mostrou uma drive feita de 7 jogadas, que percorreram 80 jardas…em minuto e 23. Uns dirão que é à maneira da franquia de Boston. Futebol apurado, máquina perfeitamente oleada, coreografia sabiamente executada, como se cada participante naquele acto estivesse ciente da importância do mesmo. Emergindo do anonimato, Chandler. Enorme. Poderoso. Usando o centro de campo como o seu playground privado. Correspondeu a um passe de Brady. Depois, a outro. E a mais outro, como se fosse imparável, aproveitando as benesses do no-huddle, que não dava tréguas ao opositor e lhe baralhava a estratégia . O ponto alto veio depois, numa fade route, passando por Thomas Davis, aberto na esquerda, e recebendo a bola, que se limitou a pousar suavemente nas suas mãos.Touchdown!
Steve Hauschka
Livra, que é difícil escrever o apelido deste tipo. Mas é um kicker veterano, sólido, capaz de chutar em qualquer ambiente e sem temores quanto à distância. Perna fiável, forte, exemplo de profissional íntegro, mostrou à sua entidade patronal – os Seahawks – que podem contar com ele. Em qualquer altura. No jogo contra os Chargers, o ponto final foi colocado por ele. A 60 jardas. A distância, por si mesma, só está ao alcance de um punhado de kickers actualmente no activo. O recorde da franquia é, aliás, de 58 jardas, partilhado por Hauschka, quando concretizou no ano passado, dessa distância, contra os Panthers. O livro de recordes não contempla os jogos da preseason. Compreende-se. Mas nada disso retira mérito ao jogador, que mostrou aguentar a pressão de jogar fora de portas, num ambiente hostil, e manter-se sereno e confiante. It’s Good!
Sam Bradford
Escrever direito por linhas tortas? Talvez Chip Kelly saiba este ditado, tipicamente lusitano. Ou não, mas a forma de pensar do treinador dos Eagles não é convencional. Rasga os dogmas existentes, ultrapassa os ditames comuns, a lógica prevalecente. Primeiro, Kelly implementou o seu afamadoataque “speedado”, directamente importado da universidade de Oregon. Os donos da sabedoria olharam-no de soslaio e riram-se, imaginando o fracasso. Foram escritas palavras duras, apontando a ingenuidade de Kelly…mas os Eagles prevaleceram, ganhando o domínio da competitiva NFC East. Este ano, a offseason tornou-se ainda mais estranha, com a saída de LeSean McCoy, o running back que tinha liderado a competição em jardas, e a sua troca por um DeMarco Murray, resgatado aos odiados rivais de Dallas. Mas, quando Kelly trocou Nick Foles por Sam Bradford, mesmo os seus mais fiéis seguidores se surpreenderam. Teria o head coach levado longe de mais o seu pensamento fora da box? Bradford, promessa universitária que ainda não se afirmou na NFL, ganhou recentemente o rótulo de injury prone. Dois torn ACLs consecutivos mostram o quão frágil pode ser a sua carreira. Mas algo em Bradford fez Kelly enamorar-se. Mantido numa redoma, durante grande parte da preseason, apenas por reportes esporádicos foi possível saber que o quarterback estava perfeitamente ambientado às exigências do ataque e playbook dos Eagles. Depois, no jogo contra os Packers, foi como se um museu tivesse guardado uma obra-prima de algum mestre italiano, enquanto era retocada, para depois a desvendar publicamente, com pompa e circunstância. Bradford conduziu 3 séries contra os Packers. 18 jogadas. 3 passes para touchdown. Como que por magia, de forma cirúrgica, avançou o ataque, uma e outra vez, naquele estilo frenético apanágio do ataque de Kelly. Sem pausas. Sem contemplações. Com inúmero tempo no cronómetro, entre cada snap, encontrando os alvos a qualquer momento, mostrando destreza física e controlo total do jogo. Perfeito, aguçando o apetite para o que aí vem. Podem estes Eagles, finalmente, ser considerados fortes contendores ao título? O tempo o dirá, mas desde que Bradford permaneça saudável, as possibilidade de êxito aumentam. Consideravelmente. Ah, e pormenor insignificante. Foram 10 em 10, no passe.
Vilões
Martavis Bryant
Aparece aqui depois do belíssimo jogo feito frente aos Bills. E não, não há engano. Bryant vai ser um caso sério na NFL, se…
E o se levanta um mundo inteiro de interrogações. Vê-lo em plena sintonia com Roethlisberger, apanhando passes de 63, 36 e 39 jardas, transformando ganhos generosos em jogadas explosivas, ainda acentua mais a imbecilidade dos 4 jogos de suspensão que levou. Mais do que privar os Steelers duma arma letal, numa altura crucial da temporada, em que a franquia de Pittsburgh não contará com Le’Veon Bell (2 jogos de castigo) e Maurkice Poncey (lesionado), impede todos aqueles que seguem religiosamente o jogo de verem um verdadeiro playmaker. E é uma pena que, pelo menos Bryant, não tenha arranjado o seu “fall guy” (ironic mode detected).
Chris Carter
Para quem não percebeu a ironia do “fall guy”, a mesma conta-se em duas penadas. Imaginem um simpósio/reunião/whatever de rookies. Em 2014. Miúdos inseguros, inexperientes, ávidos de aprendizagem, de um guia que lhes dê conselhos e um caminho seguro para trilhar. Não importa, nesta fase, acrescentar que muitos deles são oriundos de meios desestruturados, famílias negligentes, carentes de exemplos sólidos e firmes. A NFL, patrocinadora do evento, arranjou uns oradores. Com pedigree. Um deles, Hall of Famer, receiver icónico, profusamente conhecido, poderia ser aquele em quem a plateia se iria inspirar. Poderia. Mas, como em tantas outras ocasiões na sua vida, Chris Carter mostrou ser um ídolo com pés de barro, mais falho moralmente do que a maioria dos jovens a quem se dirigia. E o conselho do “fall guy”, não mais do que um bode expiatório, um membro da entourage de cada rookie que serviria para apanhar com as culpas, em casos de problemas com a justiça, foi como deitar gasolina numa floresta prestes a arder. Inqualificável!
Corey Brown
Numa altura em que podia capitalizar a ausência de Kelvin Benjamin na equipa para reforçar o seu estatuto, tudo correu mal ao receiver dos Panthers, no embate contra os Patriots. Num duro teste à realidade actual da franquia, Cam Newton jogou bem e mostrou que está preparado para os jogos a sério. Corey Brown não. 1 em 7, nos passes tentados na sua direcção, com 4 deles a serem dropped. Dois dos passes seriam touchdowns, o que, para além de subverter o resultado final, permitiria a Brown sair a preceito nas estatísticas. Assim, depois de mais 2 passes largados na semana passada, contra os Dolphins, juntaram-se mais 4. O criticismo aumentará durante a semana e, sinceramente, Brown aparenta ter dado um valente tiro no pé, com as suas mãos amanteigadas.
Randall Cobb
O wide receiver dos Packers aparece aqui apenas para ilustrar a aleatoriedade das lesões e a forma como as mesmas impactam o decurso da competição. É um mantra repetido até à exaustão: o futebol americano é um desporto duro. Demasiado duro, a roçar a violência, dirão os detractores. Não é. É um desporto eminentemente físico, com contacto corporal permanente, provocando por isso, de forma regular, baixas casuístas. E é uma pena. Todos, independentemente da nossa filiação clubista, queremos ver os melhores em campo. Mesmo que esses melhores sejam dos rivais. Num curto espasmo de 7 dias, os Packers viram a sua vida andar para trás, sofrendo dois rudes golpes nas altas aspirações para a época.
Primeiro, foi Jordy Nelson a lesionar-se. Com gravidade, falhando a temporada toda. A franquia, no entanto, tem talento de sobra para absorver o soco. Mas, quando Lambeau Field viu Randall Cobb dirigir-se para os balneários, visivelmente combalido, a preocupação adensou-se. E passou a ser o personagem principal da trama. Cobb seria, na ausência de Nelson, o elemento mais valioso no jogo aéreo. Ainda não se sabe, nesta altura, o grau de gravidade na lesão de Cobb. Mas, até lá, o coração dos adeptos dos cheesehead ficou mais comprimido. De medo. A época pode ter terminado, antes sequer de ter começado.