Super Bowl XLIX: A Jogada
Já muito se escreveu sobre a (polémica) decisão dos Seahawks lançarem a bola, na linha de 1 jarda, num segundo down, bem perto do final do Super Bowl. Maioritariamente, o grosso das opiniões assentou num forte tom crítico, blasfemando Pete Carroll e o seu coordenador ofensivo, Darrell Bevell, pela decisão desajustada. Mas terá essa opção de jogada sido assim tão desenraizada do jogo? É fácil, claramente, após uma jogada que correu menos bem, achar que a solução alternativa A, B ou C teria sido mais indicada para a ocasião. Se isso se passa amiúde num qualquer jogo de futebol americano, com os adeptos ferozmente entranhados na figura de treinadores de bancada, teria sempre maior repercussão quanto ao output dum playcalling na última jogada de um Super Bowl.
Não se pretende, aqui, enumerar as várias possibilidades que estavam, naquele momento, à disposição de Carroll e o seu staff técnico, com variações de jogadas de passe que, provavelmente, teriam resultado melhor na situação. Apenas se pretende tentar perceber – e justificar – a agora tão maligna decisão. Carroll, aliás, quando lhe passou o estado de atordoamento – perder, daquela forma, leva a um delicado processo de digestão – justificou a opção do passe no 2º down por não querer deixar tempo no cronómetro para que, posteriormente, os New England Patriots tivessem ainda tempo para uma reacção. A sua defesa do lance é compreensível, se vista sob esse prisma. Recuemos no tempo:
2012. Playoffs. Atlanta
Os Seahawks, que tinham vencido fora os Redskins, de Robert Griffin III, disputavam frente aos Falcons a possibilidade de atingirem a final de conferência. A jovem equipa de Carroll, no entanto, entrou no último quarto com um défice enorme, em termos de pontuação. Um 27-7 que poucas perspectivas abria. Mas, ei, isto é a NFL. Até ao ultimo segundo, certo? Foi o que os Seahawks fizeram. Não foi um comeback for the ages, mas assustou os fieis adeptos dos Falcons quando, a meros 34 segundos do final do encontro, Russell Wilson e Cª inverteram o rumo dos acontecimentos e passaram para a frente, com o seu 3º TD do período. 28-27. O touchdown, que parece ser o lance da vitória, veio num 1-and-goal, na linha de 2 jardas. Snap feito, bola nas mãos de Marshawn Lynch…e score. Decisão certa? Aparentemente, sim. E isto validaria a opinião de todos aqueles que, agora, apontam o dedo acusador a Carroll. Mas keep cool. Já lá vamos. Retomemos a história. Trinta e quatro segundos, no entanto, são uma eternidade, quando se fala de futebol americano. Deu tempo para que os Falcons, que ainda tinham dois descontos de tempo, colocassem o fiável Matt Bryant em field goal range, a 49 jardas. Os Falcons marcaram, venceram o jogo e foram à final da NFC. Provavelmente, Carroll e o seu séquito terão ficado a pensar que deveriam ter gasto mais tempo no cronómetro.
2014. Playoffs. Seattle
Se isso se passou, mais se adensou quando os Seahawks foram colocados em rota de colisão com os Packers. Recordam-se, certo? Este ano, final da NFC, jogo impróprio para cardíacos e um comeback tremendo e improvável. Mas, quando o mesmo Marshawn Lynch marcou, para depois Russell Wilson conseguir uma milagrosa conversão de dois pontos, ficaram outra vez 1:19 minutos no cronómetro. Aaron Rodgers teve tempo para quase tudo, desde ler o jornal, tomar um café, trocar opiniões banais sobre o tempo e colocar Mason Crosby na posição de marcar um FG fácil. Quero dizer o quê com isto? Que os Seahawks deveriam ter gasto mais tempo junto à goal line? Não. Sou da opinião – convicta – que primeiro se deve marcar os pontos, e depois pensar-se no resto. Mas tudo isto, este histórico de situações in-extremis , obrigou a uma tomada de posição, a uma decisão rápida. Neste momento:
2014. Super Bowl. Arizona
28-24. Logo após o milagre da catch de Jermaine Kearse, parecia que os Patriots sofreriam novo revés duro de engolir. Segundo down. Uma jarda para a glória. 26 segundos no cronómetro. Eis o cenário que, em curtos segundos, passou pela cabeça de Carroll:
- Chamar uma jogada de corrida, colocando a bola nas mãos de Marshawn Lynch. A defesa dos Patriots parava o lance, antes do desfecho fatídico. Os Seahawks seriam obrigados a utilizar o último desconto de tempo que possuíam. Não era crível que, com os segundos a esgotarem-se, a equipa conseguisse pegar na bola, alinhar no scrimmage e fazer novo snap, com tempo útil no cronómetro. Usando o desconto de tempo, tendo perdido 3 ou 4 segundos na jogada corrida, os Seahawks enfrentariam o 3º e provável 4º down com cerca de 22 segundos. E esses downs seriam, quase obrigatoriamente, que ser utilizados com jogadas de passe, de forma a parar o cronómetro, se o lance fosse incompleto.
- Chamar uma jogada de passe levaria a pouco gasto de tempo, caso a jogada fosse incompleta. E isso, depois, daria uma vantagem adicional à equipa, que enfrentaria o 3º e 4º down com um timeout, podendo sempre optar por uma jogada corrida, dado que, mesmo que esta fosse ineficaz, daria para usar o desconto de tempo. Esta opção, aliás, ao invés da preconizada em 1) provocaria sempre a dúvida nos Patriots, sobre qual seria a opção: corrida ou passe?
Um dos argumentos contra o uso do passe erradicou no grau de perigosidade de lançar a bola, quando a zona disponível está repleta de gente e existe sempre o risco acrescido duma intercepção. É um argumento válido. Não se defende aqui a opção pela slant route corrida por Lockette que o colocou mesmo no meio do tráfego (e com um passe menos preciso de Wilson). Falando confortavelmente à posteriori, o uso do play action, com um fake no momento do handoff, colocaria os Patriots a defenderem a corrida, deixando a Wilson a opção por um scramble ou, no rollout, enganar as marcações sobre os seus receivers e conseguir um alvo fácil. Mas, curiosamente, as estatísticas conseguem ser brutais, na sua frieza numérica. Segundo os dados disponibilizados pela NFL, em situações de goal line, com a equipa com a posse de bola a uma mera jarda de marcar, em 2014 existiram 108 vezes em que a opção foi pelo passe. Esses passes produziram 66 touchdowns, o que dá uma percentagem de sucesso de 61,1%, sem qualquer turnover. Ao invés, quando a opção foi pela corrida, nas 223 vezes em que isso aconteceu, foram marcados 129 touchdowns (média de sucesso de 57,8%), com dois turnovers provocados por fumbles. Ou seja, Carroll pode ter tomado a decisão correcta, baseado nesta evidência.
Outro argumento desfavorável à opção do passe passava pela análise primária dos matchups. Sempre, em qualquer jogo, existe uma batalha, em que o resultado é gerado pela soma de vitórias e derrotas nessas guerras particulares. Neste Super Bowl, os dados pareciam indicar que, em situações de short yardages, os Seahawks levariam enorme vantagem, sendo a 2ª melhor equipa, a nível estatístico, em termos de corrida e a 6ª melhor a evitar o stuff, na linha de scrimmage. Em oposição a isso, os Patriots eram maus, tanto a conseguir parar a corrida como a conseguirem provocar “não ganhos” ou jardas negativas aos adversários. Ou seja, perante isto, num cenário sem a envolvência de acontecimentos fortuitos, os Seahawks seriam capazes de replicar esse sucesso no campo de jogo. Em qualquer situação. Aliás, para quem acompanha as redes sociais, no day after à final, começou a circular um vídeo com um final alternativo à partida. Uma espécie de realidade paralela, um “what if?”, que simulava, no motor de jogo do Madden, a mesma situação, mas com a bola dada a Lynch. O resultado? Vitória dos Seahawks. Mas isso é num jogo, que usa, nos seus algoritmos, as mesmas estatísticas exaltadas acima, com a lei das probabilidades a conferir sucesso ao running back de Seattle. O mesmo que, no entanto, no mesmo jogo, foi parado num 3-and-2 e, mais tarde, num 3-and-1, já na red zone. É um facto que a identidade dos Seahawks, em termos atacantes, é correr com a bola, mas Lynch não é automático em situações de goal line, com uma rácio de conversão de 5 em 12 situações dessas, nos últimos 3 anos.
As opiniões multiplicaram-se. Mais uma. Se os Seahawks tivessem corrido com a bola, Bill Bellichick teria deixado que o touchdown fosse marcado, para ainda ficar com algum tempo para que Brady conseguisse levar a equipa a field goal range. É um argumento altamente especulativo e assente apenas no que aconteceu no último Super Bowl disputado pelos Patriots, contra os Giants, em que Ahmad Bradshaw pode correr livremente para a end zone, sem oposição. Mas as situações são diferentes, e pela análise da box, pode ser interpretado que, nesta jogada, os Patriots previam uma corrida, com 8 defensive linemen e linebackers, contra apenas 3 cornerbacks (Revis, Browner e Butler), que marcavam o set de 3 wide receivers dos Seahawks. Com sete defensores na linha de scrimmage, tornando bem mais difícil uma corrida por uma rota desobstruída, e apenas 4 elementos a patrulharem o perímetro exterior (os 3 cornerbacks e um linebacker), não parece assim tão rebuscado que Carroll e Bevell tivessem optado por uma jogada de passe.
Conclusão
A conclusão? Quanto a mim, aceitável a opção, se bem que, conforme referido mais acima, o uso da slant não fosse o mais indicado, não só como prevenção para um potencial turnover (como veio a acontecer), como por ter uma dose de risco ligeiramente superior a outras jogadas de passe. Mas, no campo teórico, a jogada foi bem gizada, explorando a man coverage que colocou um undrafted rookie no caminho do receiver. Questionável sim o uso de Ricardo Lockette, nº 3 na depth chart deste jogo que, mesmo assim, teve culpas no cartório, ao não conseguir proteger devidamente a bola, numa jogada de execução simples. Numa decisão que teve que ser tomada em questão de segundos, tudo se resumiu a um braço-de-ferro entre os bancos, cada um deles esperando que o outro usasse um desconto de tempo (os Patriots tinham dois).






