A Impaciente Offseason de um Fã dos Vikings
“Estou sim, boa tarde. Em que posso ajudá-lo?”, pergunta uma voz polida, com aquela entoação casual, a meio caminho do enfado. Compreensível. 6ª feira, véspera de fim-de-semana, a altura em que, mesmo inconscientemente, o cérebro começa a relaxar, obliterando as preocupações profissionais. É o dia 3. Da free agency. Do outro lado do telefone, uma voz que não conseguia esconder a preocupação. Notava-se, em cada sílaba proferida, no tom estridente com que culminava as interrogações. Era um fã. Preocupado.
“Vocês sabem que já começou a free agency? Sabemmmmm?” A pergunta ressoou naquele espaço de ninguém, enquanto a frase era transportada. A pessoa ganhou novo fôlego. “Caraças. Já passaram 3 dias. TRÊS DIAS!”, gritou desta feita. “E ainda não contratamos ninguém”.
Ouviu-se um pigarrear, uma forma simpática de tentar por cobro ao chorrilho de queixumes. A pessoa, no escritório da franquia da NFL, lá conseguiu dizer, a custo:
“Mas já contratamos. O Shaun Hill”.
Fez-se silêncio do outro lado. Um daqueles silêncios ensurdecedores, como se prenunciassem o início de uma tempestade. O telefonista ainda pensou que, do outro lado, o fã tivesse desligado. Ou, com um bocado de sorte, desmaiado de emoção. Mas não era caso para isso. O Shaun Hill é um mero backup. Quarterback. Até que se ouviu um som. Um simples arfar, quase imperceptível. O telefonista ainda pensou que fosse fruto da sua imaginação. Mas, depois, novamente o mesmo barulho. Um arfar. Uma respiração acelerada, em crescendo, como se a pessoa do lado de lá estivesse com óbvias dificuldades para respirar.
“VOCÊ ESTÁ A GOZAR COMIGO?” A voz soou como um trovão, ecoando nos ouvidos, muito depois da frase ter acabado. Era uma voz furiosa, transportando décadas de frustração. O telefonista empalideceu. Quase que pediu desculpa, mas foi atropelado, por nova torrente de palavras.
“ESTÁ A GOZAR, NÃO ESTÁ? Precisamos de cornerbacks, e não se vai buscar ninguém. Nem um para amostra. E linebackers, anh? É uma vergonha o que estão a fazer! Aliás, a não fazer”, exclamou, de forma peremptória o fã. O telefonista irritou-se. O trabalho dele nem era aquele. Tinha sido vítima da sua proactividade. Mas porque raio tinha atendido o telefone, pensou. Mas estava farto. Ele também era um adepto dos Vikings. Ele também percebia de futebol. E não estava para aturar mais um tresloucado que começava com negativismos em Março. Olhou para o bocal do telefone, respirou fundo para recuperar o controlo da voz, deixou que as palpitações se suavizassem, e disparou:
“Ouça, tem que ter calma e paciência. E acreditar em quem está cá. O Rick Spielman sabe o que faz. Sabe que a nossa filosofia é construir via draft, certo? Que não podemos hipotecar o futuro pagando loucamente um veterano qualquer? E em Março ninguém ganha ou perde jogos. As boas equipas não gastam neste período”. Terminou, satisfeito consigo mesmo. Pensou que teria colocado um pouco de água na fervura. Mas o fã não se ficou. E gargalhou. Uma risada histérica, que feria mais a alma do que os tímpanos.
“As boas equipas? Não me faça rir, pá. As boas equipas não gastam, porque têm bons jogadores. Olhe os nossos rivais, os Packers. Claro que não precisaram de ir buscar ninguém. Limitam-se a renovar com os que lá têm, como o Randall Cobb e o Brian Bulaga. Isso sim, é uma filosofia a seguir. Mas mesmo assim começaram o reinado deles quando fizeram uma trade pelo Favre, que estava nos Falcons. Ou os Patriots, que se podem dar ao luxo de perder o Darrelle Revis. Perdem peças que podem ser facilmente substituíveis. Mas nós? Nós precisamos de adicionar qualidade. E onde está ela? JÁ SAIU PARA AS OUTRAS EQUIPAS! ACORDEM!”
O telefonista olhou para o tecto, em desespero. Ía ser mais difícil do que pensava. Manteve a abordagem cordata. Mas nem conseguiu abrir a boca. O fã estava possuído, parecendo um daqueles pregadores evangélicos na tv, a dar sermões aos fiéis.
“Grandes equipas? Pffff. As grandes equipas mexem-se em qualquer altura. Sabia que o John Schneider, dos Seahawks, , desde 2011 que realizou mais de 500 transacções de jogadores? Ou que os Patriots, de 2011 a 2014, foram a 3ª equipa a contratar mais free agents? Vê? Isto sim, são equipas vencedoras, que não descansam, sempre na procura de dotar o roster de mais qualidade”.
O telefonista suspirou. Tinha apanhado um sabichão. E com a mania das estatísticas. Lembrou, quando apanhou uma aberta no discurso: “E então os Buccaneers? E os Raiders? E os Lions? Esses fartam-se todos os anos de gastar dinheiro, mas não ganham nada, nem sequer evoluem de forma significativa!”
Sorriu para si mesmo. Parecia-lhe um bom argumento. Mas o fã parecia imperturbável. E tinha sempre uma resposta pronta.
“Ó pá, isso depende das estratégias. Há quem use a free agency para meter depth no roster, não gastando muito, mas escolhendo jogadores que assegurem a rotatividade com sucesso. Os Ravens, por exemplo. Ou outros, que gastam fortunas, mas num jogador específico que sabem pode ser o elo que falta para o título, como os Broncos com o Manning. Mas nós? Nós não fazemos nada este ano! Em 2012 ainda fomos buscar o John Carlson e o Jerome Felton. Em 2013 despachamos a primma-donna do Harvin por 3 picks, assinamos com o Greg Jennings e o Jerome Simpson. No ano passado trouxemos o Linval Joseph, o Jasper Brinkley e o Captain Munnerlyn. Mas este ano? Nem um para amostra!”, sentenciou.
O telefonista ainda pensou relembra-lo do Shaun Hill, mas desistiu. Era como meter gasolina no fogo. Até ele começava a dar alguma razão ao fã. Geralmente, passada a vaga de entusiasmo dos primeiros dias da free agency, conseguiam-se bons negócios, mas a verdade é que a franquia tinha necessidades em várias posições: safety, linebacker, wide receiver, cornerback, guard e possivelmente running back, dependendo da forma como a situação de Adrian Peterson evoluísse.
O fã sentiu a fraqueza. E suavizou a voz, adoptando um tom mais empático. “Tinha tanta esperança em ir buscar o Rahim Moore para safety. Era um bom upgrade, para jogar ao lado do Harrison Smith”. O telefonista não se conteve e concordou. “Pois, e foi para os Texans por apenas 4 milhões ao ano. Isso também podíamos pagar”. Arrependeu-se de ter dado razão ao outro, em voz alta. O fã sentiu o apreço da convicção.
“Nem mais, companheiro! E agora, só temos lixo. Quem é que sobrou, sabe?” Não esperou pela resposta e começou a enumera-los:
“O Kelcie McCray, dos Chiefs, que é uma nódoa. O Kurt Coleman, que no ano passado não conseguiu ficar no NOSSO roster. O Taylor Mays, que já jogou para o Zimmer em Cinccinati e ia para o banco por jogar tão mal. O Danny McCray, que era assobiado pelos próprios adeptos, em Chicago”.
O telefonista acenou em concordância. Mais uma vez. Mas colocou um tom de esperança no diálogo.
“Mas ainda há o Ron Parker. Grande época no ano passado nos Chiefs. Esse seria uma bela contratação. Ou o Dwight Lowery. Ou até o Louis Delmas. Ainda temos chances, com estes!”
“Oh”, limitou-se a proferir o fã, num claro sinal de desprezo pelos nomes enunciados. “Até deixamos sair o Jasper Brinkley. Que grande porra. Gostava dele. E agora?”, questionou, novamente com a voz a mostrar um sinal de desespero.
“Calma”, disse o telefonista. “Podemos sempre tentar veteranos de boa qualidade, que ainda podem acrescentar algo. Olhe, o Lance Briggs, o Akeem Dent, o Brandon Spikers ou o Rolando McClain. O que é que acha destes?”, perguntou esperançado.
O fã demorou um bocado a responder, analisando os nomes aventados. Não blasfemou, o que era um bom prenúncio. “Bem, se vier algum, que seja o Mason Foster. Gosto dele. Pode render bem no esquema do Zimmer.” O telefonista sentiu que o filtro de irritabilidade tinha cedido. Aproveitou a brecha, para insuflar mais ânimo.
“Vê? Nem tudo está perdido. Ainda há bons nomes. E para cornerbacks temos vários interessantes, como o Tramon Williams, o Tarrell Brown ou o Chris Culliver. Mesmo que tenha tido alguns problemas off-the-field, parece-me que pode contribuir bem aqui. Olhe, até o Perrish Cox ou o Sterling Moore, que é um jogador intrigante, que pode ser utilizado como CB ou safety. E o melhor é que nesta fase, não tendo ainda sido sondados por clubes, estão já resignados. E assinam por números bem mais baixos”, soou convictamente. Parecia um expert a pedir meças a um daqueles engravatados da NFL Network. Aproveitando a inspiração, viu-se no papel messiânico de orador principal. Continuou:
“E este ano a secundária vai ser bem mais sólida. O Harrison Smith está bem fisicamente, o Xavier Rhodes vai ser o shutdown corner que necessitamos e até o Captain Munnerlyn tem espaço para evoluir. Caramba, ele não desaprendeu de jogar. Apenas teve um ano mau. Talvez tenha estranhado o novo esquema táctico, mas em Carolina tinha talento. E muito. E até o Josh Robinson. O miúdo jogou bem, mas teve azar naquele jogo televisionado em Chicago, onde foi humilhado. De resto, foi consistente. Vai ser uma boa temporada.” A voz segura e firme denotava a confiança que o invadia. O fã tinha-se rendido implicitamente. Ainda balbuciou, numa vã tentativa:
“Mas…e o running back? Quem é que vai ser o titular?”
Era uma pergunta difícil. E ainda sem resposta. Mas o telefonista não se coibiu de formulá-la.
“O Adrian vai regressar. Os Cowboys fecharam-lhe a porta, ao irem buscar o Darren McFadden. Já não há lugares disponíveis. Talvez os Cardinals ainda possam sentir-se tentados, mas parece possível que ele fique. Se não ficar, o Jerick McKinnon mostrou poder aguentar com o papel de running back titular. E, se quisermos mais garantias, o draft está repleto de miúdos interessantes”.
“Pois, é capaz de ter razão. Vamor aguardar pelos próximos dias então”, disse o fã. E despediu-se.
O telefonista refastelou-se na cadeira, saborerando o momento. Na 2ª feira iria bater à porta do chefe. E pedir um aumento.