A Estrela Polar e os Novos Reis Magos – An NFL British Tale

Paulo Pereira 29 de Outubro de 2014 Análise Jogos NFL, NFL Comments
NFL London

A Estrela Polar e os Novos Reis Magos – An NFL British Tale

Que se lixem os lugares-comuns. Quem é que quer ir a Londres e ver a Rainha? O novo mantra em terras britânicas é ir a Londres… e ver futebol americano. Façam a trip. Não se arrependerão. Não é, acredito eu, a mesma coisa que ver um jogo em território americano. Nunca fui a terras do Tio Sam, resumindo-se a minha experiência a meras constatações via media. Um jogo da NFL na América será o mais próximo dum ensaio de um purista a beber um scotch, como mandam as regras. As international series são o oposto. O uísque com coca-cola. Alguns torcerão o nariz a esta perversão das regras instituídas, que obriga a deslocações intercontinentais. Mas o esforço vale a pena, para um desporto que é, acima de tudo, um negócio que gera milhões. A NFL é abraçada como uma religião pagã, em solo europeu. É vivida de forma sôfrega, com um entusiasmo febril, palpável em qualquer lado, como se todos se transformassem em miúdos, na véspera de Natal. Não há tailgate, mas vive-se bem sem esse costume. Existe muito mais. Uma total ausência de fundamentalismo clubista, substituído por uma adoração genuína, por um prazer ingénuo de vibrar com qualquer equipa – mesmo com os Jaguars – que venham dos States.

Lions vs Falcons

Lions vs Falcons
Foto de Paulo Pereira

A festa começa bem antes do apito inicial do encontro. Como escrevi acima, a NFL é uma indústria poderosa, que monta e serve um espectáculo ao estilo do tudo incluído, como nos resorts em ilhas paradisíacas. Regent Street, uma das mais cosmopolitas artérias citadinas, é preparada criteriosamente para acolher o evento de pré-jogo. A rua, enorme na sua dimensão e visualmente apelativa, com os seus edifícios majestosos e as suas lojas de griffe, é fechada ao trânsito. Mesmo ali, no coração fervilhante da cidade, junto a Piccadilly Circus. As bandeiras, visíveis à distância, são apenas o isco necessário para atrair os incautos. Depois, bem-vindos ao mergulho numa realidade alternativa. A da festa. Como diria Rob Gronkowski, “yo? Yo soy fiesta”. Pois bem, é isso que se tem. Competições de kickers, oportunidade para demonstrar a precisão no passe ou uma fotografia com o Vince Lombardi Trophy? É só escolher. Se a opção for difícil, nada como furar pela compacta mole humana e aproximarmo-nos de um dos palcos principais. É lá que vão aparecer rostos conhecidos, quer da imprensa, quer dos rosters. Mas, mais do que ver, a ida a Regent Street é para ser vivenciada. Deixar que os nossos sentidos sejam arrebatados. Pelos milhares como nós, que andam por lá, em deambulações sem sentido, com ar embasbacado no rosto, apreciando a confusão. Pela profusão de cores, emulando ídolos do passado como Tarkenton, Dikerson, Montana ou Marino, ou festejando a rápida ascensão de estrelas como Watt, Bryant, Rodgers ou Wilson. Todas as franquias estão lá, representadas pelo anónimo vindo da Escócia, Noruega, Islândia ou de territórios mais orientais. A NFL é a estrela polar que guia estes reis Magos modernos. Se em Regent Street ou Trafalgar Square – outros dos emblemáticos palcos na capital inglesa que é tomado de assalto pela NFL – se sente o apelo e pulsão do futebol americano, o que dizer da viagem de metro, no dia de jogo, até Wembley? É como um mergulho profundo na paixão, que espero não passe despercebida a Goodell e seus sequazes. A miscelânea de nacionalidades torna as carruagens em verdadeiras torres de Babel, desde o sotaque inconfundível de nuestros hermanos – às dezenas – passando pela fonética mais musical dos franceses – centenas deles – até paragens mais distantes, como a Holanda, Noruega, Rússia e Israel. O que une estes viajantes dos tempos modernos? O que os faz sair do conforto do lar, gastar centenas de euros e ir parar a uma das mais caras – e apelativas – cidades mundiais? Que vicio é este, tão entranhado, que nos torna tão adictos que temos que tomar a próxima dose, sob pena de ficarmos a ressacar?

Lions vs Falcons

Lions vs Falcons
Foto de Paulo Pereira

Se existe uma imagem que merece ser apreciada e dissecada é a da chegada. Wembley Park, estação de metro. É ali que para o comboio dos sonhos. A escadaria, longa, oferece a primeira visão do arco envolvente do estádio. É lá, em cima, que se aprecia o palco onde viveremos em primeira mão as emoções de um jogo. Lá, parado no degrau cimeiro, gostava que o meu cérebro funcionasse como uma máquina fotográfica, gravando cada pedacinho para mais tarde recordar. A longa avenida que vai da estação até ao estádio, como se a distância fosse uma ironia para prolongar o sofrimento. O túnel, que se atravessa em duas passadas, levando à descoberta de paredes com imagens gigantescas de jogadores de ambas as equipas. E depois, o caos. Barracas e pregões, a anunciar cachecóis, chapéus e souvenirs de toda a espécie. É difícil suster o impulso de correr para a primeira e sacar das libras arduamente ganhas. Mas vale a pena. Aguentar. Bem perto do estádio, duas gigantescas tendas aguardam pela visita. Aí, pese a confusão, há de tudo e para todos os gostos. Despachada a formalidade de comprar a jersey do jogador idolatrado [desta vez vim acompanhado pelo nº 18 dos Broncos, num laranja magnífico], ainda existe muito para ver. Cheerleaders de beleza plástica, mas de sorriso resplandecente no rosto, a parafernália musical que acompanha as equipas e, até, uma entrevista em cima do palco com uma lenda do passado: Marshall Faulk. Mas nada, nada, mas mesmo nada, nos prepara para o resto. O jogo.

Lions vs Falcons

Lions vs Falcons
Foto de Paulo Pereira

O coração palpita de emoção, quando finalmente franqueamos a porta de acesso. Um conselho: comam e bebam… cá fora. Lá dentro, os preços são proibitivos, desde a cerveja a 6 libras e um pacote de pipocas a 5. Mas isso é o menos. Wembley é esteticamente lindo. Os dois ecrãs gigantescos têm uma qualidade de imagem soberba. O resto fica por conta do espectáculo. Com direito a cheerleaders, claro, mas também aos hinos – cantados de forma arrepiante – dos dois países. A música, sempre em decibéis elevados e extremamente speedada, cria o cenário perfeito para 3 horas de acção intensa. Entre explosões e fumos, para as aparatosas entradas das equipas, até à celebração do primeiro first down, o tempo corre. E não se dá por ele a passar. Há sempre motivos de interesse, nem que seja furtarmo-nos a um copo de cerveja que resvalou das mãos de um senhor muito british, mas com uns copos a mais. No primeiro período. Isso é outra coisa que impressiona. A quantidade – exagerada – de álcool que circula nas bancadas, curiosamente imersas numa profunda harmonia. Há cânticos, gritos histéricos, uivos de frustração e incentivos impossíveis de reproduzir. Mas é sempre uma atmosfera festiva, numa imensa celebração. E quando o jogo ajuda, como o dramático comeback dos Lions, que transformaram o jogo num thriller à boa maneira de Hollywood, temos o acto consumado. Saímos desgastados mentalmente, tal a profusão de sentimentos, exaustos por um jogo que nos agrada, mas consome pelo ritmo frenético e pela envolvência. Londres é a nova meca da bola oval. E para o ano espero estar lá. Com alguns de vocês, que nos acompanham desse lado. Para, todos juntos, podermos mostrar ao Mundo, acompanhados por uma bandeira tuga, que em Portugal se percebe/vive/discute o maior espectáculo desportivo à face da terra. Por isso, quando a estrela polar se revelar em 2015, não se distraiam. Sigam-na. Não é preciso levar incenso, ouro ou mirra. Bastam libras. E entusiasmo. O resto é oferta da casa.

About The Author

Paulo Pereira

O meu epitáfio, um dia mais tarde, poderá dizer: “aqui jaz Paulo Pereira, junkie em futebol americano”. A realidade é mesmo essa. Sou viciado. Renascido em 2008, quando por mero acaso apanhei o Super Bowl dos Steelers/Cardinals, fiz um reset em [quase] todos os meus dogmas. Aquele desporto estranho, jogado de capacete, entranhou-se no meu ADN, assumindo-se como parte integrante da minha personalidade. Adepto dos Vikings por gostar, simplesmente, de jogadores que desafiam os limites. Brett Favre entra nessa categoria: A de MITO.