Quarterback
Seria impossível inaugurar a nossa apresentação das posições sem começar com a figura mais emblemática da modalidade: O Quarterback.
Vedeta da equipa, capitão espiritual ou rapaz mais popular da escola, os titulares da posição carregam um estigma cultural na sociedade Americana que ultrapassa fronteiras e que é conhecida até dos não iniciados através do seu destaque em inúmeras produções televisivas ou cinematográficas. Analisemos este ícone americano.
No Terreno: Linhas Essenciais
O Quarterback integra o conjunto ofensivo da equipa e exerce essa função individualmente. A sua posição em relação aos outros jogadores é habitualmente atrás da linha ofensiva que forma um “escudo” à volta dele. No início de uma jogada o Quarterback recebe a bola do “center”, o jogador central da linha ofensiva, e planeia a sua jogada sob a pressão da defesa que procura desmoronar o seu espaço de manobra atravessando a barreira da linha ofensiva. Neste espaço protetor vulgarmente conhecido como “pocket” (bolsa) o QB decide a sua jogada conforme as indicações que transmitiu antes da mesma aos seus companheiros. A sua capacidade de intervenção divide-se entre o “passe”, o lançar da bola a um dos jogadores da sua equipa, ou o “running game”, uma jogada em que a transmissão da bola é “entregue” – não “lançada”- pelo Quarterback e que incide numa corrida direta por parte dos jogadores localizados atrás dele ou pelo próprio.
Um Coach no Terreno?
Como referimos o momento antes da jogada tem uma particular importância para o Quarterback pois é o jogador com mais poder de decisão antes da mesma. É ele que anuncia aos companheiros a estratégia a seguir quer no huddle, momento em que os jogadores reúnem-se em círculo, quer através de uma “audible”, uma alteração na jogada previamente estabelecida e anunciada enquanto a equipa já se encontra posicionada frente ao adversário. Se a marca do Quarterback é claramente forte na audible pois a decisão é normalmente da sua autoria, a estratégia decidida no huddle foi-lhe retirada ao longo do tempo para ser entregue ao coach e aos coordenadores ofensivos.
No entanto essa capacidade que lhe conferia um grande poder tático não desapareceu e a necessidade “cerebral” da posição é ainda bem presente. É a versatilidade entre o atleta, o líder e o estratega que conferem a aura particular de um Quarterback pois representa um equilíbrio de competências muito próximo do ideal desportivo. Mais do que músculos o QB é também cabeça e esse pressuposto torna a posição invejável e muitas vezes um tópico de discussão. A título de exemplo a questão da origem étnica dos Quarterbacks foi muitas vezes debatida pela primazia de jogadores caucasianos que deixavam entender tanto um pressuposto racista assumido como uma tendência para a discriminação por parte dos treinadores. A questão embora por vezes referida ainda hoje já teve felizmente a oportunidade de ser arrasada por numerosos Quarterbacks de outros etnias que brilharam no seu desempenho da função. Por outro lado um QB é muitas vezes discutido individualmente pois é por vezes difícil estabelecer o seu mérito. Terá o QB escolhido a boa estratégia ou terão os seus companheiros falhados na execução? Terá o QB falhado o lance ou recetor falhado a receção? O fluxo que une o Quarterback os seus companheiros torna por vezes difícil o apurar das responsabilidades.
Entre o Sniper e o Polivalente
Para além da dualidade entre corpo e mente, atletismo e “inteligência”, o Quarterback tem também na sua componente atlética dois espectros.
A primeira é muitas vezes definida com o termo “power arm” que indica uma grande força de braço acompanhada por uma grande dexteridade. Este “braço de poder” é o fator diferenciador de lançadores de excelência, capazes de atingir qualquer alvo tanto em distâncias curtas como longas. Essa competência tem também um lado mental forte pois a precisão implica também conhecer as movimentações, velocidades e “tiques” de todos os companheiros de equipa. Conseguir acertar em qualquer alvo não significa que o alvo que escolhemos é sempre o correto. Este perfil de jogador representa a grande maioria dos Quarterbacks da NFL por serem naturalmente os mais desejados. Num contexto em que a modalidade abandonou progressivamente o jogo de corrida para o passe, um Quarterback capaz de atravessar grandes distâncias com os seus lances adequa-se a essa nova tendência que procura velocidade e penetração no terreno do adversário para uma pontuação tendencialmente maior quando bem efetuada e capaz de recuperar atrasos no mercador rapidamente. O Problema principal deste jogador “sniper” é a sua tendência para uma certa fragilidade. Se a altura do Quarterback é praticamente inquestionável independentemente da sua tendência de jogo (1m90 em média), a sua “espessura” e resistência é um fator muito mais incerto que, perante os autênticos “camiões de força” da defesa adversaria, fazem deste QB um alvo frágil facilmente magoável. Exigem portanto uma linha ofensiva robusta capaz de proteger o seu prodígio dos golpes o que nem sempre é possível dependendo da composição da equipa. No que se refere a personalidades, Tom Brady, Peyton Manning ou Aaron Rodgers são exemplos emblemáticos deste tipo de Quarterback.
A Segunda assenta num Quarterback muito mais físico, que embora não dispense das qualidades essenciais no passe, vale acima de tudo pela sua capacidade física que lhe permite transformar-se facilmente num autêntico Running back. A Popularidade deste perfil varia em função das épocas mas tem recebido algum destaque ultimamente com QBs como Michael Vick, Cam Newton ou Tim Tebow, o último sendo o perfeito exemplo de um lançador muito mediano (para não dizer medíocre) que conseguiu na sua época de estreia levar a sua equipa até aos Playoffs pelas suas qualidades inabituais. As vantagens deste tipo de Quarterback assentam numa maior resistência em caso de contacto e uma maior imprevisibilidade. Com um Quarterback em movimento, uma linha ofensiva desconstruída pode deixar um espaço de corrida numa altura em que a Defesa dá o passe como opção certa. Este tipo de QB consegue portanto compensar a sua menor capacidade de lance com uma segunda opção sempre disponível: O Running game. As desvantagens desse perfil, embora não sendo lineares, assentam acima de tudo numa tendência para mais interceções e falhas no passe. O Running Game sendo por vezes muito complicado perante Linhas Ofensivas bem organizadas, o Quarterback comprometido com o passe pode por vezes evidenciar as suas fraquezas nos lances de forma muito penalizadora para a equipa. Por outro lado, como qualquer homem, não deixa de ser imune ao contacto e corre portanto um risco significativo de ferimento.
Evidentemente estes dois perfis são dois pontos aqui definidos de forma a exemplificar. A Realidade é sempre mais indistinta e cada Quarterback poderá ter esses elementos de forma mais ou menos equilibrada tanto por hábito como pelas circunstâncias de um jogo específico.
Depois de Ti Mais Nada?
Como já vimos o Quarterback é o ponto central do seu jogo ofensivo. Autentica peça central da estratégia, é por ele que todos os jogadores se orientam: A Linha Ofensiva tem o papel de o proteger, o Running back faz dele o seu ponto de partida e os receivers aguardam e posicionam-se para receber a bola que lança. O mesmo acontece para a Defesa que na sua primeira linha procura romper a sua barreira protectora e conseguir a vitória suprema: O “Sack”, palavra que designa o derrubar de um Quarterback. Na Segunda linha Defensiva todos procuram o olhar do QB e antecipam o seu passe de forma a desviar a bola ou, recompensa suprema, conseguir uma “interception” apanhando-a.
Ao tornar-se o centro de gravidade da equipa o Quarterback acaba por criar um ritmo e uma dinâmica de jogo que impregna todos os seus parceiros. Essa harmonia é uma construção progressiva feita ao longo de várias temporadas o que tem tendência a por de lado os seus suplentes, pois ao contrário das outras posições um bom QB possui um monopólio no terreno que apenas partilha na pré-season ou em jogos de muito pouca importância. Não é fácil ser o segundo ou terceiro Quarterback de uma equipa. Pensados para ficarem no banco, são habitualmente jogadores com um talento bastante inferior ao QB de eleição e com poucas ocasiões para criarem os laços necessários à construção de uma equipa. Adicionando essa falta de intercâmbio ao fato de ser único no terreno, o Quarterback torna-se uma das posições mais competitivas da modalidade pois existem poucos lugares para muitos candidatos.
Em todo o caso um Quarterback não é invencível e qualquer Defesa não poupará forças ao entrar em contacto com o seu apetitoso alvo. Ao acontecer um acidente que inviabiliza a presença do Quarterback vedeta, é uma equipa inteira que pode passar de brilhante para vergonhosa. O substituto escolhido pelas circunstâncias entra num espaço novo. Deve compensar o talento do Quarterback perdido e construir com a equipa uma harmonia produtiva em pouco espaço de tempo.
A temporada 2011-12 dos Colts é o exemplo mais recente e explicito desse possível naufrágio. Na temporada de 2010 a equipa contabilizava com seu QB vedeta, Peyton Manning, dez vitórias para seis derrotas (um dos piores resultados com Manning). Na temporada de 2011 Manning desaparece do campo devido a suas dores no pescoço e na coluna. Inviabilizado após as cirurgias, nenhum dos substitutos da equipa parece servir e mesmo a chegada de um QB veterano, Kerry Collins, não consegue evitar um dos piores resultados da história dos Colts: duas vitórias para catorze derrotas. A chegada mal gerida de um novo elemento em conjunto com suplentes incapazes ferem mortalmente a equipa e deixam os adeptos inconsoláveis. Tal descida teria sido muito dificilmente imaginável com qualquer outra posição da equipa. Felizmente a sorte expressa-se por vezes por vias inesperadas. É o que esperam certamente os adeptos da equipa com a chegada do potencial prodígio Andrew Luck. Um dos grandes rivais da equipa, os New England Patriots, são aliás um bom exemplo de como um azar pode tornar-se a maior das felicidades pois sem a suspensão de Drew Bledsoe, Tom Brady, um dos QB mais destacados da história da modalidade, poderia nunca ter visto a luz do dia.
Lendas da Posição
Muitos são os Quarterbacks que marcaram o inconsciente coletivo. Na atualidade Tom Brady, Peyton Manning, Drew Brees ou Aaron Rodgers fazem figura de heróis da modalidade e demonstram em cada jogo a sua capacidade em rivalizar com os melhores de sempre.
No passado podemos recordar Quarterbacks como Sammy Baugh que nos anos 40 moldou a figura do QB. Otto Graham que levou os Browns a uma impressionante série de vitórias. O carismático Norm Van Brocklin. O colosso Johnny Unitas e a sua fisicalidade impressionante. O estratega Bart Starr. O inesquecível Joe Montana frequentemente considerado como o melhor de sempre. O veloz Steve Young. Dan Marino e a sua precisão no passe lendária. Terry Bradshaw e a sua grande influência nos Steelers. John Elway e a sua capacidade em desafiar a adversidade. Brett Favre eleito três vezes consecutivas MVP da liga.
Resta o futuro e as incertezas de quem carrega em si grandes esperanças. Cam Newton tem fome de vitória e todos perguntam até onde poderá chegar o seu talento. Tim Tebow procura para além do mediatismo a sua afirmação como QB de valor. Andrew Luck e Robert Griffin III são dois recém-chegados que carregam grandes responsabilidades pelo seu legado no futebol universitário. Ainda na NCAA, Tyler Wilson, Logan Thomas, Geno Smith, Tyler Tettleton ou Denard Robinson são alguns dos Quarterbacks de destaque que prometem imprevisíveis amanhãs.